Quando chegava o fim da tarde, lá pela minha terceira ou quarta primavera, a minha mãe me carregava pro quarto, me botava na cama e abria um livro grande de capa dura. Eu, de bruços na cama, escutava a voz da minha mãezinha cantando as histórias da Branca de Neve e da Chapeuzinho Vermelho. Mas eu gostava mais da primeira opção. Mamãe fazia uma voz estranhíssima quando o espelho mágico entrava em cena. Engraçado que canto até hoje as musiquinhas.
A minha mãe me acostumou mal. Qualquer história só teria graça se ela cantasse pra mim. Ler... Só ler... E ainda mais sozinha... Era no mínimo muito chato. Pense que dava preguiça quando eu via todas aquelas letras que enchiam todas aquelas muitas páginas. Digo com total firmeza que ver as crueldades do Pica-pau na TV era muito mais interessante pra mim. E minha mãe também adorava essa idéia de eu estar hipnotizada com todas aquelas cores e sons esquisitos, e assim mamãe não tinha trabalho.
Fui crescendo (no sentido “ficando mais velha” porque Deus não me abençoou com hormônio de crescimento) e fui forçada a ler os malditos paradidáticos da escola. Malditos sim. Eu perdi muitos episódios repetidos de Chaves por conta deles. Tanto sacrifício só pra saber o nome do filho da vizinha do irmão mais velho da personagem principal. Um livro que me marcou profundamente foi “Batalha de Mamulengos”. Creio que se eu tivesse lido ontem eu teria gostado bastante. Quer dizer, não sei. A minha amedrontadora professora da 4º série, Tia Zélia, mandou que nós formássemos grupos de quatro pessoas para fazer um resumo deste livro (em forma de livro). Confuso? Deveras. E eu e meus colegas não sabíamos nem por onde começar. A gente não sabia como fazer um resumo. “É só extrair o mais importante”. Mas olha só: um livro com mais de cem páginas tinha muitas partes importantes. Por exemplo: a cor da primeira roupa do mamulengo mais velho podia estar numa questão de prova. Dividimos o livro em quatro partes. Cada componente do grupo ficava responsável por resumir a sua parte fosse lá o que isso significava. No fim juntaríamos tudo e montaríamos o livro. A minha prima mais velha disse que era só mudar algumas palavras do texto original e copiar o resto. Eu passei um fim de semana fazendo isso. E até hoje eu não sei resumir bem. Dá pra perceber, né?
Depois deste episódio eu fiquei um bom tempo sem querer saber de livro. Minha mãe me dava alguns de Pedro Bandeira, mas eu não passava do terceiro capítulo. Até que meu irmão ganhou de presente de Natal um livro meio grossinho com umas letras verde-esmeralda na capa: “Harry Potter e a pedra filosofal”. Eu tomei posse desse livro. E o comi rapidamente para poder partir para “Harry Potter e a câmara secreta”. Logo em seguida conheci o meu volume favorito da série: "Harry Potter e o prisioneiro de Askaban”. Eu gostava de ler as coisas macabras e ruins que aconteciam com o protagonista. Até que comecei a ter raiva do mocinho. Por conta dele as minhas personagens prediletas morreram: Cedrico morreu em “ O cálice de Fogo”, Sirius Black morreu em “ A ordem da Fênix” e Dumbledore morreu em “O enigma do príncipe”. Depois de todo esse tempo de luto eu queria que o desgraçado do Harry Potter morresse também. Quando eu soube que J. K. Rowlling não iria pôr um fim merecido na sua personagem principal eu desisti de ler o último livro, cujo título eu nem sei.
Nos intervalos de um H.P. para outro eu me voltei aos livros de Pedro Bandeira que minha mãe me dera, aos livros do vestibular (O guarani, São Bernardo, O auto da compadecida, etc.). Li também muito manga, livros fúteis de Meg Cabot, revistas diversas, tudo o que passava eu lia. Até fiz parte de uma competição “quem lê mais” na escola. Conheci “Drácula" de Bram Stoker, "Pollyanna" e "Pollyanna moça" de Eleanor H. Porter, “As Crônicas de Nárnia” de C. S. Lewis (que eu li para minha irmã mais nova), e o fabuloso “O pequeno príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry.
No meu terceiro ano do ensino médio eu comecei a querer ir mais a fundo nos estudos de literatura. Quis complementar um futuro curso de jornalismo com o curso de Letras. Quando eu entrei na universidade me deparei com um universo tão amplo que eu não sabia o que “saborear”. Belisquei “O rapto de Helena” de Colutos, mais um pouco da “Eneida”, um bocadinho da Ilíada. Arranjei espaço pra “A metamorfose” de Kafka, que não me causou tanto efeito como eu imaginava. Também teve “Hamlet” que estava meio difícil de engolir, mas no fim foi muito satisfatório. Porém o grande banquete foi “Dom Quixote”. Enlouqueci com o livro assim como Quixote enlouqueceu com os romances de cavalaria. Hoje é meu livro de cabeceira. Meu prato preferido. De sobremesa eu tive “Budapeste” de Chico Buarque. Por mais que tenha gente que diga que ele “não rima” eu discordo, pois a leitura foi docemente gostosa. Extra-classe eu me aventurei pela literatura sangrento-medieval de Bernard Cornwell. Um historiador detalhista que conta com muitos crânios abertos as histórias dos anglo-saxões, da guerra dos cem anos, do rei Arthur, etc. Um tempo desse me emocionei com o “Caçador de pipas”. Atualmente só os livros acadêmicos me ocupam. Todavia estou tentando fazer sobrar um pouco de energia pra ler uns livrinhos aí.