Sábado de
manhã, aquela ressaca, aquela péssima programação na tv, aquele monte de roupa
pra lavar. O que você vai fazer? Porra nenhuma! Foi o que João Velho (o
próprio) decidiu fazer num dia sem graça em que seu amigo, Átila Calache (o
próprio também), veio com uma proposta de um futebolzinho. Nada melhor do que poder
coçar a bunda, ver um filme idiota, ou pornô num bom volume, cantar no
chuveiro, brincar com o seu gato, gritar com o atendente de telemarketing,
atuar na frente do espelho, lembrar das coisas boas que não voltam.
A Imprecisa
Companhia, com a direção de Tato Consorti, traz para o público a versão
brasileira de uma das peças do dramaturgo e diretor teatral escocês Antony Neilson que conta uma história
comum, de um homem com trinta anos, comum, que tem uma vida amorosa cheia de
picos e vales, algo comum, com pais caretas e abertos, o que também é comum,
com devaneios ao vaso sanitário, igualmente comum. Somos levados a vivenciar um
sábado de tédio na vida de João Velho que se transforma num dia cheio de
aventuras e emoções.
Realismo, uma mistura de realidade e
fantasia, está em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal do Rio de
Janeiro e proporciona ao espectador uma visão desautomatizada de uma vida
normal. Um homem, infantil, maduro, frágil, rude, seguro e confuso, à espera de
apenas um telefonema de sua ex namorada tão amada, interage com os fantasmas de sua memória: seus pais, amigos e
ex amores. O elenco, composto por Adriano Saboya, Átila Calache, Beatriz Bertu,
Christian Landi, Daniela Galli, João Velho e Paula Braun, é afinadíssimo, não
sendo possível elevar apenas um ou dois atores. Estão todos cooperando para a
grandeza do espetáculo. Há
reconhecimento do espaço cênico, os atores se jogam entre os objetos,
correm, pulam os móveis pois possuem também um bom trabalho corporal (Marcelle
Sampaio) além de um ótimo trabalho vocal. O público ainda conta com a surpresa
de uma participação especial de um gato que é personificado por um ator
convidado a cada semana (já foram estiveram presentes Cissa Guimarães e Matheus
Solano). Segundo João Velho, em entrevista, o gato é um personagem de poucas
falas importantissimamente hilárias.
O cenário, de
Aurora dos Campos, foi muito bem planejado. Um lugar entulhado de móveis
antigos, novos, comprados ou doados, detalhes típicos de primeiro apê. Aparelhos
eletrodomésticos e comida congelada dão uma realidade física à cena, deixando a
imaginação presa ao desdobramento da história que não possui um tempo
cronológico. Em um momento o ator está contracenando com sua mãe, envergonhado
por ter sido pego transando com sua primeira namorada, logo depois está
brincando com o seu melhor amigo da escola, ainda criança. A iluminação (Tomás
Ribas) dá o tom do lugar e da cena, simulando uma tv, trabalhando expressões
estáticas dos atores, focando objetos e personagens em destaque (ou não) na
cena, além de auxiliar nas emoções que são uma mistura de melancolia, nostalgia
e momentos de muita risada. A trilha sonora escolhida por Átila Calache e Tato
Consorti, protagonizada por "Never Forget You", de Noisettes, torna
as cenas muito divertidas, principalmente quando os próprios atores cantam as
músicas em capela.
Com tudo isso
temos uma peça leve, de humor inteligente e que provoca um bom riso irônico. Situações
com as quais a plateia se identifica e ri de si mesma. Há uma grande intimidade
entre os que estão assistindo e os que estão atuando sem haver aquela interação
constrangedora em que os atores descem do palco para falar com alguém afundado
na cadeira. No fim, o público se encontra tão à vontade que podemos flagrar
alguns dedos no nariz e mãos coçando o saco. Como se estivessem na sua própria
casa, num sábado à tarde, sem fazer porra nenhuma.