sexta-feira, 29 de agosto de 2008

As descontinuidades da interação face a face

Amiga do Bú, esse é pra você!

Bem... Por muito tempo se estudou a língua falada baseada na língua escrita. Alguns teóricos dizem que a escrita é perfeita e que devemos falar como escrevemos. Isso é uma utopia, minha gente. Vejamos só... Quando a gente escreve, a gente tem tempo pra pensar. Nós lemos o texto escrito, relemos, trelemos, corrigimos e assim vai. Mas vamos dar uma oportunidade para esses tais teóricos se explicarem um pouco, né?

1. Linguagem escrita X Linguagem falada

Escrita

· Planejada;

· Não-fragmentada;

· Completa;

· Elaborada;

· Predominância de frases complexas com subordinação abundante;

· Emprego freqüente de passivas.

Fala

· Não-planejada;

· Fragmentada;

· Incompleta;

· Pouco elaborada;

· Predominância de frases curtas, simples ou coordenadas;

· Pouco uso das passivas.

Ta... Já disseram muita coisa... Você concorda com isso? Você acha que a escrita pode ser comparada com a fala? Você acha que a fala é desorganizada? Que a escrita sempre vai ser linda e impecável? Se a resposta é sim, o que você está fazendo no curso de Letras? Se a resposta for não, eu gosto de você! Mas quem disse sim e quem disse não... Qualquer um pode ler até o fim.

Essas duas modalidades da linguagem (escrita e fala) podem se misturar, às vezes. Quando estamos num tribunal, ou numa palestra científica, ou num casamento (se você for o noivo ou noiva e estiver repetindo aquelas coisas chatas que o padre diz), nós usamos uma linguagem mais formal, mais certinha, pensada, planejada anteriormente, com mais tempo para organizar a idéia. Falamos como se tivéssemos ensaiado aquilo. E quando estamos no msn? Como escrevemos. Existem aquelas pessoas que escrevem tudo direitinho. Agora, quando estas fazem isso lentamente... Ah! A gente perde a paciência. Porque no Messenger nós temos que ser rápidos, isso acontece por causa da mensagem instantânea. Feito na hora, como uma conversa, como a fala.

Assim nós vemos que, simplesmente, nós não podemos dizer que uma modalidade é mais importante que a outra. Mas os gramáticos teimam em dizer que a língua escrita é superior à fala, pois possui uma organização, possui regras, possui uma gramática Felizmente alguns lingüistas têm defendido que a língua falada possui sim uma organização. O nosso grupo de pesquisa chama essa organização de Gramática Interacional, mas isso não é oficial... Autores importantes como Marcuschi, Koch e , se eu não me engano, Rodolfo Ilari, falam de uma gramática da fala. L. A. Marcuschi fala que apesar do aparente caos lingüístico, nós conseguimos adquirir conhecimento através da interação.

É justamente desse ‘caos lingüístico’ que vamos falar nesse texto. Mas antes de chegar nas famosas descontinuidades da interação face a face, vamos ver algumas características que nos deixarão contextualizados.

2.Características próprias da interação face a face

A conversação é um jogo. Um jogo coletivo onde cada passe é importante para seu desenvolvimento. Eis aí alguns deles:

  • A fala é localmente planejada, ou seja, ela é planejada ou replanejada a cada novo ‘lance do jogo’;
  • O texto falado é posto ‘a nu’ no processo de produção. Vai sendo construída em sua própria gênese;
  • Há descontinuidades freqüentes que são justificadas pelos fatores de ordem cognitivo-interativa;
  • A fala vai apresentar uma sintaxe própria, uma gramática interacional.

Enquanto que no texto escrito nós fazemos um rascunho anterior, depois uma revisão, depois uma correção para possuir o produto final; no texto falado nós temos o rascunho como produto final. Deu pra entender? Além do mais a interação se trata de uma produção conjunta. O locutor e o interlocutor co-produzem, co-negociam, co-argumentam.

Como é a interação (imediata) que importa, ocorrem pressões de ordem pragmática que acabam por sobrepor-se às exigências da sintaxe. Isso significa que o locutor, frequentemente, vê-se obrigado a “sacrificar” a sintaxe em favor das necessidades da interação, fato que se traduz pela presença, no texto falado, de falsos começos, anacolutos, orações truncadas, etc, bem como a recorrer com freqüência a inserções de vários tipos, as repetições e as paráfrases, com o intuito de garantir a compreensão de seus enunciados pelos parceiros. (KOCH, 2006)

Mas essas “descontinuidades” são, na verdade, “estratégias conversacionais” . Assemelham-se às máximas de Grice.

  • Quando percebemos que o outro já entendeu o que queríamos comunicar, a adição da fala se torna desnecessária;
  • Já quando percebemos que o ouvinte não entendeu, nós repetimos, mudamos o planejamento, inserimos uma explicação;
  • E quando percebemos que erramos em algum termo, nós nos interrompemos e nos corrigimos. Mas também pode ocorrer o fato de o ouvinte nos corrigir.

Essas características citadas acima são as descontinuidades da língua falada (é bom reforçar, amigos) que apontam a “aparente” desestruturação da língua falada.

2. As descontinuidades!!! Eba!!

As descontinuidades são divididas em dois grupos: processos de inserção e processos de reconstrução.

2.1. Processo de inserção

As inserções provocam certa pausa, uma suspensão temporária do tópico (assunto) em curso. Desempenham funções interativas como: explicar, ilustrar, fazer ressalvas, introduzir avaliações ou atitudes do locutor, etc.

Além delas serem realizadas pelo locutor (auto-condicionadas), elas podem ser também hetero-condicionadas. Acontece quando o interlocutor faz uma pergunta ou pede uma explicação ao locutor. Este é obrigado a responder, obedecendo ao princípio de relevância condicional.

Mas se essa inserção não tem nada a ver com o tópico em curso, deixando uma quebra no discurso, aí a chamamos de digressão. Alguns autores chamam isso de “afrouxamento” da coerência textual. Agora, quando a digressão vem introduzida por marcações (como: a propósito, por falar nisso, antes que eu me esqueça, desculpe interromper, mas... etc), o locutor revela que tem consciência de estar provocando uma ruptura no desenvolvimento tópico. Algumas vezes esse fenômeno é usado como descanso num assunto de difícil compreensão. E as digressões não só são iniciadas por marcadores como também são encerradas por estes: “voltando ao assunto”, “mas onde é que eu estava?” . Isso demonstra que essa digressão é realmente apenas um parêntese.

A reconstrução consiste na reelaboração da seqüência do discurso. Provoca também uma diminuição do ritmo da conversação com a volta de recursos já usados. Tem como função formular melhor ou reformular um segmento maior ou menor do texto já produzido. Serve para solucionar problemas detectados pelo locutor ou pelo interlocutor. São: correções ou reparos, repetições, parafraseamentos e adjunções.

A reconstrução consiste na reelaboração da seqüência do discurso. Provoca também uma diminuição do ritmo da conversação com a volta de recursos já usados. Tem como função formular melhor ou reformular um segmento maior ou menor do texto já produzido. Serve para solucionar problemas detectados pelo locutor ou pelo interlocutor. São: correções ou reparos, repetições, parafraseamentos e adjunções.



2.2 Processos de reconstrução

2.2.1 Correções

São cortes feitos para consertar o que não pode se apagar. Geralmente se interrompe o quanto antes o discurso para se apresentar a forma que considera a mais adequada.

Podem ser também hetero-condicionadas. O interlocutor mostra estranheza e sugere explicitamente a correção.

2.2.2 Adjunções

Ocorre quando o locutor percebe que deixou de acrescentar uma informação importante que irá facilitar a compreensão do discurso. Ou completa uma informação incompleta. Reaviva na mente do interlocutor algo que já foi dito anteriormente, dá ênfase a algum aspecto relevante para um bom entendimento do tópico.

2.2.3 Repetições e parafraseamentos

Fenômenos extremamente freqüentes no texto falado. Desempenham diversas funções.

Fazem parte dos processos de reconstrução e possuem as mesmas funções das correções e dos reparos. Sanam problemas detectados(pelo próprio locutor ou pelo interlocutor) em segmentos enunciados anteriormente: parafrasea-se o que foi dito, quando se vê que o outro não entendeu a mensagem. Repete-se o enunciado para não haver mal entendidos quando há ruídos externos ou distrações do parceiro.

Em sentido amplo, pode-se dizer que a repetição engloba desde a repetição ‘exata’, até aquela em que ocorrem variações maiores ou menores na forma e portanto, também a paráfrase. Sendo a repetição exata (isto é, a expressão da mesma idéia com as mesmas palavras e a mesma entonação) bastante rara, pode se incluir a maior parte das repetições entre os processos de reconstrução. (KOCH, 2006)







cabou.. agora é com você, amigo!